Audiências nos bastidores da Guerra (cont.) NM - Quer dizer que o painel de lares, no caso da televisão, devia ser aumentado? E porque não o é? LQ - Sim. E temos vindo a conversar com os utilizadores no sentido de eles se disporem a pagar o acréscimo amostral que queremos introduzir. Tem havido dificuldade porque é preciso estabelecer consensos e num dado momento uma televisão não quer porque tem problemas financeiros e não quer pagar mais, outra não quer porque está bem e acha que mexendo na amostra pode vir a estar mal... É sempre difícil chegar a um consenso, mas estamos no bom caminho e penso que muito brevemente aumentaremos a amostra de 850 para 1000,1200 lares. Esperamos que isso já seja possível em 2003. Na verdade, estamos a falar de um valor de 100.000 euros para um canal de televisão. NM - No caso da televisão, as pessoas que fazem parte do painel têm alguma contrapartida? LQ - Sim. Existem incentivos. As pessoas mantêm-se no painel durante um período, três, quatro anos, e durante esse tempo há um pequeno incentivo, mas penso que não é por isso que se mantêm no painel. É importante, é uma forma de as compensar, mas acho que as pessoas colaboram nisto porque sentem que estão a prestar um serviço, e como hoje se fala muito em audiências elas sentem que estão a participar numa coisa que é importante, que tem projecção pública. NM - E a questão da rotatividade do painel, que também tem sido muito levantada? LQ - Esse é, de facto, um elemento muito questionado. Hoje a rotatividade faz-se com alguma periodicidade em Portugal. Existe um acordo com o mercado, representado por uma instituição que se chama CAEM - Comissão de Análise de Estudos de Meios -, que estabelece o nível de rotatividade em cerca de 25 por cento ao ano, ou seja, todos os anos um quarto dos lares são substituídos. Este é hoje um valor consensual nos países onde há audimetria. Em Portugal temos uma das mais altas taxas de rotatividade, sobretudo quando comparadas com as de outros países da Europa. Mas a rotatividade também não pode ser muito grande porque senão a questão da continuidade, que nos interessa manter para saber se as pessoas estão a mudar ou não, perdia-se. Temos que ter estabilidade para poder comparar. NM-O que é o CAEM? LQ - É uma comissão que integra representantes dos meios, dos anunciantes e das agências de publicidade, as três entidades que são os maiores utilizadores dos estudos de audiências - e digo maiores porque hoje toda a gente utiliza as audiências, até o público gosta de ver e ler. Mas em termos profissionais os dados são essencialmente utilizados pelos anunciantes, pelas agências de publicidade e pelos órgãos de comunicação. NM - Para que serve a medição das audiências? LQ - Na base da medição das audiências está o negócio da publicidade. É este que a financia, porque hoje o negócio da publicidade é feito em função dos níveis de audiência. O próprio preço dos anúncios é determinado pelos níveis de audiência dos jornais, revistas, rádios, televisões, programas. Aquela ideia de vender tempo ou espaço está ultrapassada, hoje vendem-se contactos, pessoas, audiências. As audiências são o produto que os órgãos de comunicação têm para vender aos anunciantes. NM - E para os anunciantes, além da quantidade, o que é mais importante em termos de "qualidade" das audiências? LQ- Esse é o trabalho que as agências de publicidade fazem com base nos resultados produzidos: preparam a estratégia para os anunciantes, sabem qual o público alvo a que se destina o produto, se é para crianças ou adultos, para a classe alta ou classe baixa, etc, e com base nisso fazem a planificação publicitária que procura optimizar o encontro entre o produto e a audiência. NM - A Marktest tem o monopólio da medição das audiências em Portugal? LQ - Em termos meramente conceptuais não tem o monopólio, porque se outra empresa quiser começar a medir audiências ninguém a impede. E durante muitos anos coexistiram dois ou três estudos de audiências. Tanto de televisão, como de imprensa, como de rádio. Mas na prática existe um monopólio pois não existe concorrência, embora isso seja o resultado do reconhecimento da qualidade do nosso trabalho. NM - Como se chegou então a esta situação de monopólio? LQ - Porque o mercado, neste negócio, tem tendência a eleger um único estudo. Um estudo de audiência tem que obedecer a características essenciais: ser independente, rigoroso, fiável, estável, universalmente aceite e controlado por todos os seus utilizadores. Uma vez que isso se consiga, pergunta-se: podem existir dois estudos? É evidente que podem, mas como neste negócio da publicidade há muitos intervenientes, de certa forma é necessário um padrão. Ou seja, a televisão que vende e a agência que compra não podem estar a falar de coisas diferentes. Por exemplo, um anunciante diz que quer uma audiência de 50 mil pessoas e que, se não a conseguir, pretende ser compensado; a televisão faz a campanha e diz que conseguiu os 50 mil mas o anunciante - baseado noutro estudo - diz que não, que o estudo dele só lhe dá 40 mil. Não pode ser. Tem que haver uma base comum, aceite por todos. E na guerra concorrencial acabou por ficar um e o que ficou foi escolhido pelo mercado e, passe a imodéstia, penso que foi o melhor. Portanto, não é um monopólio imposto, é um monopólio conquistado. |