Talvez É Outono...
Está uma tarde solarenga e o Sol brilhante deixa escapar os seus raios atrevidos que atravessam as vidraças tocando no meu frágil corpo. Parecem mesmo querer aquecer a minha alma, vazia e fria, que preenche o corpo disforme e desconjuntado que agora me pertence. Corpo este, ao qual ainda não me consegui habituar e que sou incapaz de aceitar como meu. Na verdade, ainda não suporto ver esta minha nova imagem reconstruída depois do acidente ao qual surpreendentemente sobrevivi. Do dia fatal, poucos pormenores relembro... Sei que fora um Sábado, quando regressava com um grupo de amigos, todos nós em êxtase, depois de uma noitada animada e inesquecível nas Docas de Lisboa... Ríamos alto sob o efeito alucinante do álcool enquanto seguíamos pela estrada que nos levaria a casa. Depois disso nada mais recordo, apenas sei que o destino nos trocou as voltas, e a mim empurrou impiedosamente para as salas de operações... Agora, meses depois, tento aceitar que sou um "puzzle" frágil, um espantalho débil, construído a muito custo por médicos e cirurgiões, suportado por duas próteses... Neste momento, estou sentada na cadeira de rodas, naquela que já se tornou a minha casa: o Centro de Reabilitação Física. Sinto-me num corpo que já não é o meu e as recordações fazem parte dum passado demasiado distante. Os dias passam, as sessões de fisioterapia sucedem-se e revelam-se praticamente infrutíferas... Mas, curiosamente, toda a gente, médicos e enfermeiros, todos parecem indiferentes a este meu estado miserável... Eles apenas cumprem o seu trabalho e os seus horários e não conseguem perceber que para mim o amanhã vai ser idêntico ao hoje, idêntico ao ontem e idêntico ao anteontem... Na realidade, é esta rotina que me vai matando lentamente cada hora que passa, cada dia que se sucede e que simultaneamente me faz perder a esperança e a vontade de acreditar num amanhã um pouco mais risonho! As pessoas passam por mim e sinto os seus olhares de pena que me revoltam e fazem sentir ainda mais doente... Sinto-me perdida numa vida pela qual não tenho forças para lutar... Os sonhos que eu tinha para o futuro esfumaram-se no ar e desapareceram no dia do acidente. E, naquele exacto momento do acidente, morreu também uma grande parte de mim que não foi possível resgatar. Sonhos, alegrias e esperanças, tudo isso subitamente desapareceu naquela noite trágica sem que eu tivesse tempo sequer de me aperceber... No entanto, uma outra parte de mim sobreviveu e agora com apenas dezasseis anos tento aprender a viver uma nova vida muito diferente da outra. Agora não há pressas, compromissos importantes, horários para cumprir; estou dependente de todos para quase tudo... Completamente diferente do que era o meu dia-a-dia alucinante de antes, aprendi a viver cada dia de cada vez, num ritmo muito mais calmo e sem stress. Para mim é difícil compreender como tudo pode mudar tão repentinamente... Ao pensar nisto, sinto novamente uma tristeza imensa invadir-me e as lágrimas atraiçoam-me escorregando lentamente pelo rosto magro e disforme... Sei que nada poderá um dia ser igual a antes e sinto-me frágil perante as incertezas que me envolvem... Afinal a minha vida gira agora em torno do "talvez" que nem eu nem ninguém poderemos algum dia prever! Não há prazos estipulados nem datas previstas que determinem o meu tempo de recuperação que ameaça ser longo e muito doloroso! Tudo é vago, demasiado vago... Aproximo-me da janela e olho o Mundo lá fora, o céu está tão limpo e imensamente azul e a cidade tão calma... Toda a gente sorri e segue apressadamente para os seus destinos... E eu estou ali, prisioneira algemada a ver o mundo passar lá fora!! Sinto que estou sozinha nesta emboscada em que a vida me apanhou de surpresa e duvido que algum dia tenha a coragem suficiente para aceitar esta realidade e consiga tentar ser feliz novamente... Mas quem sabe?! Talvez esse mundo tão distante agora, se torne menos longínquo um dia e eu o possa agarrar... Talvez, um dia, eu me sinta "menos diferente" em relação aos outros...Talvez um dia as algemas que me prendem se abram e eu possa ser como um pássaro livre, daqueles que esvoaçam invejosamente livres no céu... Talvez... Sara Maria Fonseca (11º B) |
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