As malhas da rede

A generalização da utilização da Internet que ocorreu durante a última década é, em meu entender, uma das maiores revoluções por que a Humanidade já passou (está a passar!) e é, ao mesmo tempo, a culminância duma outra longa revolução que teve início no final do século XIX e atravessou todo o século XX, e cujos marcos fundamentais se encontram nos desenvolvimentos tecnológicos associados ao telefone, à rádio, à televisão e à informática .

Sendo, na sua essência, um nova forma de comunicação entre seres humanos, a Internet representa, depois da fala e da escrita, a terceira grande revolução de toda a História da Humanidade. A fala, uma característica essencial na distinção entre a espécie humana e as outras espécies animais, simultaneamente consequência e impulso da inteligência, foi o primeiro e grande motor de desenvolvimento da Humanidade. A escrita, por sua vez, é indissociável do apogeu que foi a invenção da imprensa por Gutemberg, na verdade o grande momento que, por permitir, pela primeira vez, a comunicação de massas, marca o início da globalização tal como hoje a entendemos.

Ao contrário das revoluções anteriores, que se desenvolveram ao longo de milénios ou séculos, a actual, desencadeada ao longo de apenas alguns anos, está muito mais concentrada no tempo.

As consequências sociais, económicas, filosóficas e até religiosas das anteriores revoluções são conhecidas. Pense-se, a propósito, na relação de Lutero com a imprensa ou dos monoteísmos - as chamadas religiões dos livros - com a escrita. As consequências da Internet nos planos social, político económico, filosófico e mesmo religioso, são ainda imprevisíveis.

A rede da Internet está a insinuar-se no dia a dia das nossas vidas e , aos poucos, a tomar conta de tudo: afoga-nos e começa a virtualizar as relações entre pessoas e entre os agentes económicos de tal forma que já se fala em “nova economia”.
A Internet é um grande supermercado, um grande casino, uma grande biblioteca, uma grande repartição pública, uma grande agência de viagens, uma grande...quase tudo. Nela encontramos a conveniência das páginas amarelas, as tentações de um grande bordel, e, acima de tudo, as facilidades de uma grande estação de correios, a permanente actualidade das notícias de uma televisão, de uma rádio, de um jornal ... Numa palavra, a Internet é o Mundo à distância de um click.

No entanto, a Internet nasceu rodeada de alguns equívocos.

O primeiro equívoco, que ainda perdura, consiste em considerar a Internet como um novo meio e reduzi-la apenas a isso. A Internet é um novo meio, sim, mas é muito mais do que isso. Primeiro que tudo a Internet é o suporte de uma nova forma de comunicação entre as pessoas, com características inovadoras. A principal dessas características é a rapidez de comunicação que permite a interactividade associada a uma capacidade enorme de transmitir e processar imagens, a começar pelo simples texto. Ao pretender reduzir a Internet apenas a um mero meio muitos quiseram transpor para este campo a forma de organização e gestão própria dos meios tradicionais e, ao mesmo tempo, criar negócios baseados no mesmo modelo de financiamento através da publicidade que está subjacente àqueles meios tradicionais. Deste primeiro equívoco resultou a falência desse modelo. Mas alguma coisa se aprendeu e ganhou-se experiência, facto que já está a obrigar a repensar a forma como se pode utilizar a Internet para a comunicação publicitária.

A anunciada convergência entre o computador e a televisão induzida pela Internet, dois meios que têm algo em comum mas que são, na essência, diferentes e até contraditórios, é o segundo equívoco. A televisão é uma forma passiva (até há quem lhe chame anestesiante!) de comunicar, que não envolve esforço da parte dos receptores. Ao invés, a navegação na Internet, baseada num processo interactivo, exige um esforço assinalável por parte do utilizador. Procurando estabelecer uma analogia métrica, existe a grande diferença que vai dos trinta centímetros que separam o ecrã do computador do utilizador aos três metros a que se encontra o ecrã da televisão. E a grande verdade é que não existe uma posição intermédia. Esta diferença torna a mera convivência entre os dois meios difícil e, possivelmente, a convergência impossível. Pode acontecer que a televisão interactiva do futuro não tenha muito mais do que funcionalidades básicas do tipo teletexto digital ou Guia TV, as quais não exigem um grande esforço de interactividade.

O terceiro grande equívoco e aquele que mais problemas acarreta é a anunciada previsão de uma rápida massificação da utilização da Internet. A Internet é um suporte mais dirigido para leitura e não um suporte de simples visualização como é o caso da televisão. Nessa medida está mais próxima da Imprensa do que da Televisão. E tal como a Imprensa pressupõe nos seus destinatários a capacidade de ler, também o acesso ou leitura da Internet exigirá uma alfabetização própria.

À semelhança do conceito de alfabetização para significar a capacidade de ler e de escrever talvez, muito em breve, seja necessário criar um conceito equivalente para designar a capacidade de navegar na Internet. Serão criados neologismos como campanhas de alfawebização para desenvolver a capacidade de uso da Internet, ou analfawebos para designar aqueles que não têm capacidade de aceder e navegar na Internet .

Ora, no caso português, não será difícil, por uma simples extrapolação dos leitores de imprensa, estimar os alfawebos como representando, no máximo, 40 a 50% da população. Ou seja, a massificação só poderá ocorrer por uma renovação de gerações e, possivelmente, o tempo de uma geração não será suficiente.

O anunciado fracasso da “nova economia” está relacionado com estes equívocos. Mas a Internet veio para ficar. Ela chegou, porventura, mais rápida do que a nossa capacidade de a entender. As gerações do futuro conviverão com a Internet da mesma forma que nós convivemos hoje com a escrita. Nada será como dantes!



Luís Queirós
Director Geral da Marktest

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