Especialistas de estudos de Mercado debatem o sector

Realizou-se a 3 de Outubro de 2002 em Alcochete o encontro anual dos membros da APODEMO, com a presença de cerca de 30 participantes. O texto que se reproduz serviu de base à intervenção do presidente do grupo Marktest, que reflectiu sobre o passado, presente e futuro dos estudos de mercado em Portugal.



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Olhar para dentro do sector de Estudos de Mercado

Começo por confessar alguma angústia que me provoca o tema da minha intervenção nesta reunião de profissionais de Estudos de Mercado. Como se pode olhar para dentro de uma coisa quando se está dentro dessa mesma coisa? Só pode olhar para o lado de dentro com isenção quem está do lado de fora. Olhar de dentro para dentro implica uma observação reflexiva e, porventura, deturpada. Alguém que estivesse do lado de fora poderia com vantagem caracterizar o sector melhor do que eu. Deixo, por isso, uma chamada de atenção para que os meus juízos e comentários sejam avaliados com a prudência que esta situação recomenda.



Como era fazer Estudos de Mercado há 30 anos

Eu iniciei a minha actividade em Estudos de Mercado no dia 2 de Outubro de 1972, fez ontem precisamente trinta anos; foi na Nestlé, onde eu entrei pelo processo mais corrente de resposta a anúncio e selecção.

Era aquele o tempo dos fatos por medida no que respeita à realização dos estudos. Havia o pedido de estudo, os pedidos de proposta, a confecção do projecto, etc. ... Trabalhava-se de forma artesanal, a informática era assunto de especialistas, de salas fechadas, os computadores precisavam de ar condicionado para funcionar...

O saber estava centrado no conhecimento da estatística, no saber desenhar uma amostra, no saber fazer um questionário e, claro, saber tabular um estudo, o que era verdadeiramente matéria de especialistas.

Como empresas multinacionais havia, nessa altura, em Portugal, apenas a Nielsen. Uma ou outra incursão de empresas estrangeiras no mercado português era feita, em regra, pela via das Agências de Publicidade. Os estudos de meios – feitos pela Norma, que era a referência do mercado, já tinham sido anteriormente feitos pelo IPOPE, do Eng. Sousa Monteiro –, seguiam um modelo espanhol da Eco. Ferramentas de planeamento de media não existiam ou eram praticamente inacessíveis.

As entrevistas eram realizadas presencialmente, quase não se realizavam estudos telefónicos.

Além das empresas já referidas, havia a Contagem, da Dra. Maria Eugénia Retorta, a Teor, onde trabalhava o Dr. Garcia de Abreu, a Neo, do Dr. José Pessoa Lopes, a Mensor, do Eng.º Rolão Gonçalves, que explorava um painel de farmácias e que tentou, sem sucesso, lançar um painel de Consumidores com a colaboração do Dr. Barroso Coutinho.



As transformações ocorridas nos últimos 30 anos

Foram muitas e grandes as transformações operadas no sector de Estudos de Mercado ao longo dos últimos 30 anos. Por vezes foram quase imperceptíveis, outras vezes foram mais evidentes.

A grande revolução deu-se nos anos 80 com o aparecimento da micro informática. Com os PC’s o processamento da informação ficou ao alcance do técnico responsável pelo estudo; os processadores de texto permitiram uma nova forma de desenhar questionários e de dactilografar relatórios; ferramentas como os apresentadores (tipo powerpoint), apoiados nos sistemas de projecção, vieram permitir outras formas de tratar a informação. Mais recentemente, a Internet veio permitir novos desenvolvimentos na recolha, no processamento e na distribuição da informação.

Pouco a pouco, o saber na nossa actividade descentrou-se da estatística para o marketing e para a consultoria, e até para a gestão e a informática.

A audímetria, surgida nos anos 80 na Europa e introduzida em Portugal em1990, permitiu uma grande sofisticação na análise de audiências de TV e planificação de meios.

Por outro lado, as multinacionais cresceram e, pouco a pouco, foram tomando conta do mercado português. Em 2002 representarão já cerca de 55 a 60% do mercado e possivelmente mais de 80% da rentabilidade. Estes valores só não são mais altos porque o grupo Marktest tem travado a entrada dos grupos internacionais nos sectores da media e da publicidade.



A situação actual

Existe uma forte concentração do mercado nalgumas empreses. A Nielsen absorve mais de 20% do volume de negócios em Portugal e não tem concorrência directa. Duas empresas, a Nielsen e IMS, juntas, representam cerca de 35% do mercado.

A Nielsen está presente em Portugal desde 1968. Será uma das filiais mais rentáveis desta multinacional que hoje, como se sabe, pertencente ao grupo holandês VNU.

A IMS é o segundo operador. Seguramente também é uma empresa muito rentável, embora tenha um concorrente importante, a Azyx.

A TNS Sofres é hoje uma das maiores empresas de Estudos de Mercado a nível mundial e é o resultado de um complexo processo e fusões e aquisições: TN, AGB e Sofres. Entrou no mercado português, via Secodip, com a criação da Euroteste, em 1988.

A Millward Brown, pertencente ao grupo WPP, tem uma génese diferente, pois resultou de um processo de aquisições por um grupo fortemente implantado no sector publicitário.

A WPP tem ainda uma forte expressão na media através do grupo Kantar e possui também a Research Internacional.

A Ipsos, de origem francesa, (de notar que quase todas as grandes empresas são inglesas ou americanas!) está presente em diversificados segmentos do mercado e em várias regiões do mundo.

A GFK, de origem alemã, entrou em Portugal através de Espanha e tem hoje uma posição destacada com participações maioritárias na GFK-Painel, na Metris e na Intercampus.

É de assinalar ainda a presença de pequenas empresas espanholas, principalmente na área qualitativa (Sigma2, Inner, …).

Entretanto ainda estão ausentes do nosso país a NFO, IRI, NOP e não se conhecem planos para entrarem a curto prazo.

A nível internacional o capital financeiro interessou-se pela actividade. Hoje os grandes grupos de empresas de Estudos de Mercado estão cotados nas Bolsas de Frankfurt, Paris, Londres ou Nova Iorque.

Por outro lado, as preocupações generalizadas com a qualidade chegaram aos Estudos de Mercado e permitiram melhorar os procedimentos.



Algumas considerações sobre o nosso negócio

Muitas vezes interrogo-me sobre qual é a essência do nosso negócio. Quase desde o início da Marktest que eu venho reflectindo neste ponto.

Tenho repetido à exaustão que o nosso negócio é o negócio da informação. Tenho falado da indústria da informação e, na realidade, foi nesta concepção que o negócio internacionalmente prosperou e foi como indústria que os grandes grupos cresceram e ganharam dinheiro.

Os grandes segmentos da indústria da informação são:

  • Os painéis de retalho;
  • Os painéis de consumidores;
  • Os estudos de meios;
  • O controlo dos investimentos publicitários.

Estes segmentos, juntos, deverão representar em Portugal mais de metade do mercado e, mais uma vez, deverão concentrar uma forte maioria da rentabilidade.

Em todos estes segmentos se constituem bases de dados; trata-se de estudos regulares que são vendidos de forma recorrente.

Os estudos mais rentáveis são os que se baseiam em paineis ou que permitem a criação e exploração de bases de dados.

Os impulsionadores do crescimento dos Estudos de Mercado são essencialmente os seguintes:

  • A dinâmica dos mercados, que aconselha o seguimento contínuo;
  • A globalização, que favorece as organizações internacionais;
  • O aparecimento de novos produtos, que favorecem a busca de informação;
  • O aligeiramento/racionalização das estruturas nos utilizadores, que favorece os serviços e a consultoria externos;
  • O aparecimento de novas tecnologias e novos packages informáticos, que permitem agregar informação.


Previsões para o futuro

  1. A concentração do negócio vai continuar. Ainda existe espaço para algumas aquisições, mas a tendência será para a estabilização à medida que os grandes grupos completarem as suas redes. Chegará o momento de grandes fusões de empresas quando for necessário racionalizar ou a rentabilidade descer para valores inferiores aos actuais. Já se falou de uma fusão TNS/GFK ou NFO/Ipsos. Nenhum cenário será de excluir.

  2. Estreita-se o espaço para a pequena empresa nos moldes tradicionais. Penso que continuará a haver lugar para redes de campo que respondam aos projectos internacionais. Mas a empresa de serviço completo, tradicional, será essencialmente uma empresa de consultoria.

  3. As empresas de estudos qualitativos, já próximas da consultoria, evoluirão ainda mais para este formato; terão tendência a especializar-se em áreas de negócio ou em clientes.

  4. Vão agravar-se os problemas da recolha: nas entrevistas presenciais, o aumento da inacessibilidade e das recusas, em parte induzidas pelas vendas directas; nas entrevistas telefónicas, o aumento das recusas e os problemas derivados da inexistência de bases de endereços nas redes dos novos operadores.

  5. A recolha vai orientar-se para a Internet à medida que este meio se for massificando; isso é bom porque reduz os custos e torna a pesquisa mais acessível. Os clientes e os consultores serão tentados a realizar a recolha dos seus próprios estudos.

  6. A inteligência será a parte mais nobre da actividade. O consultor será chamado para resolver os problemas e não para fornecer informação.

  7. As bases de dados e o datamining terão uma importância decisiva, pois serão o suporte de muitas análises. Os possuidores das bases de dados estarão numa posição privilegiada, pois poderão condicionar o acesso à informação.

  8. O Software terá um papel importante; os packages de tabulação e análise serão mais acessíveis. Vão desenvolver-se aplicações mais vocacionadas para os utilizadores finais, com alertas e com agentes inteligentes capazes de interpretar a informação.

  9. As telecomunicações terão grande impacto. A rapidez das comunicações permitirá que a informação se disponibilize rapidamente e on-line.

  10. Os painéis vão ser a forma preferida para recolher informação.

  11. A interactividade nas comunicações favorecerá o aparecimento de novas necessidades de informação e novos desenvolvimentos na forma de a distribuir.

  12. A Internet terá um papel fundamental no processamento e na distribuição de informação, incluindo a venda.



Conclusão (com uma nota optimista)

O negócio da informação é um negócio com futuro, desde que as pessoas continuem a precisar dela e tenham recursos para a pagar.



Luis Queirós
Presidente do Grupo Marktest



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