A (I)Responsabilidade Social em Portugal

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Francisco do Amaral,
Consultor
No passado dia 3 do corrente mês, realizou-se no centro Cultural de Belém, uma sessão de apresentação do Estudo Sobre a Percepção da Responsabilidade Social em Portugal, à qual assisti.
Por se tratar de um tema de grande relevância actual e futura, respondi positivamente à solicitação do Dr. Luís Queirós, passando para o papel algumas considerações sobre o mesmo, mais como cidadão interessado e menos como especialista que o não sou.
Atendendo a que se trata de conceitos ainda pouco divulgados em Portugal, como aliás os resultados do estudo confirmam, penso ser útil começar por algumas caracterizações e definições que ajudem a um melhor enquadramento do assunto.

Responsabilidade Social, Desenvolvimento Sustentável e Cidadania Empresarial, são expressões que começaram a ser muito utilizadas, nomeadamente no diálogo empresarial, mas que para o cidadão comum, normalmente pouco esclarecido por falta de curiosidade e também por falta de informação disponível adequada, podem ser encaradas como mais uma "moda".
A ideia de uma Responsabilidade Social das empresas não é nova, e, de acordo com a informação disponível, já em 1920 Henry Ford defendia que as empresas tinham de participar no bem-estar colectivo.
Esta ideia ressurgiu agora, não como uma moda, mas sim como um valor que devido às modificações do meio envolvente foi crescendo e evoluindo até adquirir uma dimensão universal.

A Comissão Brundtland – Comissão Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, deu em 1987 a primeira e mais consensual definição para a expressão: Desenvolvimento Sustentável é o desenvolvimento que responde às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de satisfazer essas mesmas necessidades às gerações futuras.

A Comissão Europeia no Livro Verde que lançou em 2001 sobre o tema, definiu a Responsabilidade Social como " um comportamento que as empresas adoptam voluntariamente e para além das prescrições legais, porque consideram ser esse o seu interesse a longo prazo ".

Simplificando, pode falar-se de uma convergência de conceitos entre Desenvolvimento Sustentável, Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial para expressar uma e a mesma ideia, uma atitude por parte das empresas que tem em conta não só os aspectos económicos mas também os aspectos sociais e ambientais.

No documento Criando valor, recentemente publicado, resultado de uma parceria entre os consultores Sustain Ability, o Instituto Ethos e a International Finance Corporation, essa convergência é claramente assumida:
" A sustentabilidade é às vezes chamada responsabilidade social corporativa ou cidadania corporativa. Embora usemos aqui a palavra sustentabilidade, reconhecemos que em muitos pontos os termos são sinónimos e cobrem os mesmos amplos aspectos dos negócios: a gestão, o modo de tratamento dos empregados, o impacto sobre o meio ambiente e sobre a comunidade local, e as relações com os fornecedores e clientes. "

Assumindo como positiva a clarificação feita, comentarei seguidamente as principais conclusões do estudo. Dado que a análise não pode necessariamente ser exaustiva, seleccionarei em relação a cada segmento alvo do estudo um aspecto que considere mais relevante, e sobre este emitirei a minha opinião.

De uma maneira algo simplista, podemos dizer que o grande objectivo do estudo era avaliar percepções e atitudes face às questões formuladas: O que é a Responsabilidade Social das empresas ? E qual o papel das empresas na mudança do mundo ?

A pesquisa abrange dois segmentos: Consumidor e Organizações. Nestas incluem-se as próprias empresas, os sindicatos, as associações, as ONG, as entidades governamentais e os media.

O consumidor revela na sua generalidade um desconhecimento da expressão e conceito de Responsabilidade Social, identificando acções isoladas em que as empresas expressam o seu envolvimento com as "pessoas" e "a sociedade", não as reconhecendo contudo como parte de uma visão estratégica das empresas.
De um modo geral, as pessoas valorizam mais a preocupação que as empresas devem prioritariamente ter com questões internas, ou seja, com os colaboradores, com os processos de trabalho e com o local de trabalho. Portanto com os aspectos em que se vêm mais implicados e que lhe trazem benefícios directos.

Estes resultados revelam quanto a mim, uma condicionante básica de extrema gravidade, que é a falência do sistema educativo, ineficiente e ineficaz, que limita a sensibilidade das pessoas para temas mais abrangentes e mais universais, limitando-as aos seus próprios interesses benefícios e direitos.
Um consumidor plenamente consciente dos seus direitos e "praticante" dos seus deveres cívicos, certamente estará muito mais sensível e motivado para partilhar preocupações sociais mais abrangentes, e também para ser mais exigente em relação aos outros – cidadãos, media, empresas, estado, associações e sindicatos -.

Em relação à Comunicação Social, constatam-se dois tipos de reacção. Embora a generalidade dos entrevistados mostrasse desconhecimento e algum desinteresse pelo conceito, outros pelo contrário conhecem-no bem por já o ter abordado profissionalmente.
Genericamente os jornalistas mostraram ser muito mais sensíveis à "irresponsabilidade social" e à sua exploração como notícia.

Nesta área destaco, e, também ressalta do próprio estudo, um certo "conflito latente", que não é novo, entre jornalistas e empresas. Por um lado os jornalistas entendem que a sua missão é alertar para o que deve ser mudado e não para as boas práticas. As boas notícias não são notícia. Têm grandes pruridos em nomear empresas, marcas e produtos, pois consideram estar a fazer publicidade gratuita.
Há certamente um grande trabalho a fazer entre empresas e jornalistas no sentido de estabelecer canais sistematizados de partilha da informação, e na criação da confiança mútua necessária para que os jornalistas possam assumir um papel importante na educação dos consumidores, papel esse que ainda não assumiram.

No segmento Empresas, os resultados apontam para a existência de variados graus de envolvimento.
As menos envolvidas que entendem o conceito limitado ao cumprimento das leis e normas básicas relativas aos empregados, ao ambiente e à qualidade dos seus produtos ou serviços.
A generalidade que encara o conceito de uma forma não integrada, diluindo-o num conjunto de acções dispersas.
As mais envolvidas que assumem e integram uma atitude de Responsabilidade Social, fazendo-o de forma integrada e planeada, embora dêem pouca visibilidade às suas iniciativas.

Considerando que as empresas não têm como missão transformar a Sociedade, mas sim partilhar e contribuir para o Desenvolvimento Sustentável, condição necessária para a sua permanência nos mercados com sucesso a longo prazo, entendo que a visão da Responsabilidade Social não poderá deixar de ser, ou tender a ser uma visão estratégica, planeada e devidamente comunicada.
A tendência actual aponta para que o consumidor não se satisfaz em conhecer as marcas, mas cada vez mais quer conhecer a empresa que detém essas marcas. Se é importante cuidar da imagem das marcas, é igualmente importante construir uma imagem corporativa forte, símbolo de garantia dessas mesmas marcas.
A comunicação das acções de Responsabilidade Social será determinante para a construção de uma vertente de diferenciação que terá de ser declinada na imagem corporativa que por sua vez deverá ser percepcionada como "umbrella" das marcas de produtos ou serviços.

Se em relação ao Estado, além da dificuldade no contacto, não existe uma visão integrada do conceito, as ONG e Sindicatos têm uma boa percepção do conceito, sendo mais abrangente da parte das ONG e mais focada nas vertentes do trabalho e das relações laborais no que aos sindicatos diz respeito.

O estado como grande empregador que é, deverá ele próprio ser um exemplo de práticas socialmente responsáveis, e, deverá ter um papel importante no apoio às estruturas autónomas (fora da sua esfera de influência) capazes de certificar a Responsabilidade Social.
No sentido do reforço de uma cultura de Responsabilidade Social, as ONG, sindicatos e empresas deverão fazer um esforço de implementação de canais de diálogo e trabalho conjunto que passa pela adaptação das suas estruturas de modo a simplificar esse processo.

Como comentário final gostaria de referir alguns pressupostos que poderão determinar o progresso do conceito em Portugal
  • Estruturação de um sistema educativo eficiente e eficaz
  • Evolução/formação do Consumidor no sentido da sua consciencialização cívica, tornando-o cumpridor assumido dos seus deveres, consciente dos seus direitos, respeitador dos outros e do meio ambiente e socialmente exigente.
  • Comunicação Social actuante e consciente do seu papel de agente de mudança da sociedade e de envolvimento na educação do consumidor.
  • Fazer cumprir as leis penalizando os prevaricadores com rigor e celeridade.
  • Ser o Estado, ele próprio um exemplo de práticas socialmente responsáveis, enquanto empregador.

Se nada disto acontecer muito dificilmente seremos um dia um País Socialmente Responsável.



Francisco do Amaral
Consultor

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